26 março 2014

Revelações maçónicas

Revisitando o DN de 15-3-2014, diz-se na respetiva página 3 que o chefe das secretas está contra revelações maçónicas. Na verdade é preciso ir um pouco para além do título para que se possa inteligir o que se pretende que o milhar de leitores do diário compreendam.

Ao que parece alguém deitou a mão a um parecer, alegadamente enviado pelo secretário de serviço ao presidente da comissão DLG da assembleia nacional. Isto terá acontecido (o envio, não o desvio) em outubro de 2013. Seis meses depois o conteúdo do parecer chega ao DN. Dirão alguns que demorou muito tempo a lá chegar. Outros dirão que andou em manobras de diversão e contra-vigilância. É o tempo suficiente, pensarão outros ainda, para iludir as eventuais interceções (as tais que são ilegais, tanto em Portugal como nos EUA, mas que nos veio dizer o Edward que se vão fazendo) e afastar suspeitas. Como se não estivéssemos a falar dos suspeitos do costume.
    Como temos todos o presidente da comissão DLG como pessoa de bem, fazemos a leitura de que a entrega do parecer ao DN não passou por ele. Todas as outras hipóteses são tecnicamente possíveis. Desde as reveladas pelo Edward até à de alguém, próximo do emitente, entregar a outrem, passados que são 6 meses e já tudo isto cheira a requentado. Outrem, que já demonstrou sobejamente não ser de confiança, entrega ao DN.
    O tal parecer  que não vamos comentar , em primeiro lugar porque não o conhecemos, em segundo lugar porque contém matéria sigilosa, não deverá limitar-se às revelações maçónicas (se é que as inclui). Mas as revelações maçónicas são o motivo encontrado para cutucar os suspeitos do costume.
    Quem são os suspeitos do costume? Em primeiro lugar o personagem cuja fotografia surge ao lado do arrazoado. Depois o primeiro ministro e a sua maioria que tiveram a ideia de alterar a legislação em vigor. E, finalmente, os que no cumprimento da sua missão (e do seu dever, para os que são tão ciosos dos seus direitos) não se deixaram intimidar e levaram por diante a ação.
    A ser verdade, ainda que parcialmente, o conteúdo do parecer tal como publicado no DN há aspetos que merecem comentário. O registo de interesses para os trabalhadores do SIRP não só não é um conceito novo como está em vigor, por força dos preceitos legais, no SIS e no SIED(M) desde a sua génese. E não foi em 2005 a génese do SIRP como alguns teimam em afirmar. Se a prática de registo de interesses alguma vez foi suspensa é, naturalmente, de perguntar ao autor da suspensão qual o fundamento da mesma. É também para isso que existe fiscalização (embora a sua existência esteja mais ligada a pausas para café e almoços).
    Também parece óbvio que não pode pedir-se aos trabalhadores do SIRP que se sujeitem a ónus mais pesados dos que são exigidos a outros profissionais investidos de poderes de autoridade (o que nem sequer é o caso). E isto é válido também em matéria de incompatibilidades funcionais. Tais incompatibilidades podem ser atuais ou supervenientes. Mas tudo isto já consta da legislação em vigor. Se não a específica do SIRP, a legislação aplicável aos trabalhadores do Estado.
    A regulamentação e o parecer que sobre ela incidiu apenas denunciam alguma desorientação acerca do modo como devem ser geridos estes assuntos. O articulado e a infografia do DN apenas contribuem para a desorientação.
    O uso de terminologia cirúrgica no tal parecer, por referência a associações como a maçonaria, diz muito de quem esteve na sua génese. Diz, sobretudo, que o objetivo final não é esclarecer. É confundir ainda mais.

21 março 2014

Letras Gordas

Num fim de semana sem notícias (15-3-14), o DN entendeu que devia brindar os seus 1000 leitores (aprox.) com 2 páginas de Atual-Serviços Secretos, com a habitual chamada de primeira página, a qual se destina a garantir que dos tais 1000 leitores há pelo menos 250 que não se vão ficar pelas letras gordas.

A notícia, se disso podemos falar, é servida pela pena dos conhecidos escrivães dessa quase-ciência a que chamam Serviços Secretos. E tem, obviamente, por base as habituais e regulares (precisão quase-suiça) fontes sobre estas apetecíveis matérias.
    A título de sinal e princípio de pagamento surge a inevitável referência aos suspeitos do costume. Nada de estranho. É o habitual modus operandi. Claro que se é o modus operandi é habitual.
     Ficamos, entretanto, a saber, pasmados, que ex-espiões (só no DN os tais quase-cientistas saberão o que isso é, tal a frequência com que o termo é por eles usado) foram recrutados por empresa de lóbi. Nos bancos da formação ensinaram que a missão dos espiões era recrutar. Agora aprendemos por via do DN que também podem ser recrutados. Nunca é tarde para aprender. E o mundo é uma realidade em mutação constante.
    Para estes portentos da Segurança e da Comunicação basta misturar as palavras espião, recrutamento e lóbi para garantir uma ereção a 2 ou 3 leitores mais necessitados dela. Um viagra sem efeitos secundários.
    A quantidade de disparates por parágrafo é tal que deveria envergonhar qualquer cidadão normal. Sublinham-se as palavras cidadão e normal. Mas não é disso que estamos a falar.
    Espiar as leis preparadas na UE parece ser a atividade para a qual terão sido recrutados os ex-espiões. É batido o recorde olímpico da imbecilidade. Espiar leis?
    Como é óbvio o que se pretende é tornar banal o trânsito de elementos dos serviços de informações para empresas privadas. Comparam-se no entanto situações legais, regulares e normais com tudo o que não o é.  Compara-se o lícito com o ilícito. Assemelha-se o legítimo com o criminoso. A amostra escolhida é ridícula.
    Se fosse intenção dar uma perspetiva séria deste trânsito de pessoas que sairam das informações do Estado para empresas privadas (e públicas) seriam dadas dezenas de exemplos de profissionais honestos que estão (ou estiveram) em bancos (nacionais e estrangeiros), empresas dos setores da Energia e das Comunicações, empresas de Formação, empresas de Segurança. Entre outros exemplos.
    Mas pelo que se pode ler o que está a dar é o lóbi.

10 março 2014

Um país à deriva

Há em Portugal uma opinião unânime nos meios ligados à chamada Comunidade de Inteligência: deixou de haver informações do Estado.
    Gastam-se anualmente milhões de euros para manter em coma induzido a máquina de produção de informações.
    A situação não é nova nem foi criada pelo atual governo da República, que se fez alguma coisa para contribuir para o estado comatoso do sistema foi exatamente o não ter feito nada.
    Desde Novembro de 2004, data em que foi publicado o diploma que moldou o atual sistema que o agravamento da situação é constante e incremental.
    Há quase dez anos que esta teimosa dependência do sistema de um primeiro ministro ausente o mata. Há quase dez anos que um secretário, que constitui uma irrelevância política e uma aberração jurídica, lhe deu o golpe de misericórdia.
    Um país que não sabe para onde vai é um país à deriva. É assim um país sem informações. Um país cego. À deriva.
   
De traição se falará depois.

02 março 2014

Tem cuidado com o que desejas

Alguns anos depois de os EUA terem impulsionado a criação de um estranho Estado no coração da Sérvia -o Kosovo-, baseados no argumento de que a sua população era maioritariamente não-sérvia, algo de muito interessante está a acontecer na Ucrânia, e em especial na Crimeia.
    A soberania e a integridade territorial da Ucrânia poderão ser postos em causa. A Crimeia e partes significativas da Ucrânia poderão seceder do Estado unitário de que fazem atualmente parte.
    O Estado norte-americano e os seus comissários podem dizer o que quiserem. A verdade é que se esta secessão vier a acontecer ela tem o Kosovo como precedente legitimador. Pelo menos à luz de uma nova ordem internacional baseada não nos princípios mas no poder militar.
    Uma coisa é lidar com uma Sérvia frágil saída de um longo período de mais de uma década de guerras, a última das quais contra um inimigo muito superior. Outra coisa é desafiar uma Rússia mais forte e afirmativa do que nunca, por muito que nos andem dizer o contrário.
    Algumas "operações negras" pagam-se caro. E os EUA deveriam estar preparados para pagar esse preço. Mas tudo indica que não estão.
    A UE e as suas principais lideranças governamentais emergem ainda mais fragilizadas (e porque não dizê-lo ridicularizadas) perante um conflito que nunca compreenderam e não souberam mediar. Nomeadamente por terem negligenciado a dimensão externa desse conflito.
    Parece tarde para garantir a integridade territorial da Ucrânia. Mas ainda não é tarde para evitar uma guerra de proporções inimagináveis.